terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Coração das Trevas / Homens Ocos

Outro da série o horror está dentro do homem,
aliás, o seu clássico,
é o Coração das Trevas, de Joseph Conrad.

Eu escrevi um pouco sobre ele,
mas quando eu li o poema que T.S. Eliot fez baseado no livro
me calei.

O poema chama Homens Ocos,
e aqui estão trechos dele:

"[...]

E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam às pedras quebradas.

[...]

Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o

Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro. "

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O Senhor das Moscas

O horror está dentro do homem.
As páginas se sucedem nessa leitura de angústia,
o eco persiste:
o horror existe,
e está dentro do homem.

Numa ilha deserta do pacífico um avião cai. Dos destroços restam apenas um grupo de meninos, aproximados por denominadores comuns - ingleses, inocentes, exilados de guerra.

Na ilha em que estão tudo é abundante, há água doce, frutos. Há porcos do mato e recifes que a protegem e no qual prolifera a vida. Nada falta, a ilha os acolhe com promessas de equilíbrio e paz.

Entre os meninos há encanto. O sol descendo oblíquo por suas costas jovens, o gosto sincero do frescor. Não há leis, não há obrigações.

Os meninos se organizam quando um deles chama o som da concha. O óculos da razão faz a fogueira, a única possibilidade de comunicação, e, portanto, de salvação.

Entretanto,
na ilha perdida sem tempo e espaço corre um rumor.
Há na ilha o mau. O Bicho.
O Senhor das Moscas.
Os meninos menores têm medo,
e depois de um tempo os maiores também.

Há a caça, os porcos. Os corpos jovens dos meninos clamam por sangue.
Têm medo e clamam por sangue
Se embrenham na dança da destruição.
Não há bebida na ilha,
eles se embriagam.
A paixão dionisíaca da destruição.
A música da morte, o vai-e-vem do sangue.
A noite a única luz vem da fogueira,
refletindo nos corpos vermelhos, morenos, pintados.
Grito, sangue, bicho.
O senhor das moscas.

A leitura acaba.
O eco persiste:
o horror existe,
e está dentro do homem.

Leviatã

Não, não é o livro de Thomas Hobbes.
Não, não se trata de uma besta bíblica do mar e do medo (pelo menos não a princípio).

Esse é o nome de um livro de Paul Auster. Uma obra que se dilata e contrái em diversas câmadas, tornando tênues os limites da ficção e da vida.
Se Aristóteles lesse Paul Auster ele o consideraria um trombadinha, um mero detentor da técnica manual da escrita, mas não de seu significado. Em sua obra não há nada de necessário, provável. Há apenas, no decorrer das páginas, a catarse.
Usando aspectos da sua vida (como sua ex-mulher Sophie Calle, transformada em Maria Turner), e o subterfúgio da ficção, Paul Auster nos traz recorrentemente o espanto, a sensação compreendida em silêncio de que na ficção, assim como na vida, é possível o absurdo, o inesperado.
Em Leviatã há um livro que fala de outro livro. Um livro que cresce no corpo de outro.
Há a crítica ao Leviatã da democracia americana, imagem espelhada no igual e no inverso, do monstro da monarquia absoluta.
Há o todo, e há o muito pouco.
Os limites da auto-reflexibilidade ficam tesos - e se afrouxam.

A órbita maior é a dúvida sobre a mera existência do objeto livro.
Se vê então, fechando um pouco os olhos, a crítica a uma sociedade, um tempo, um não-fato.
Quando os olhos se fecham de fato tudo volta a seu lugar: o livro fruto "espontâneo" de um homem no tempo, decorrência de vida e afeto - pensamento.


Grande livro esse.

Factotum

Fante, Salinger, até mesmo Jim Dodge, são nomes que antes eu relacionava a Bukowski. Percebia em todos eles certa amargura, como uma nota oscilante que paira no ar e se perde sem insistir.
O único mote é a inadequação, exclusivamente para esse fim todos os esforços são dispostos: se tornar essa massa amorfa da não ação.
Em Factotum, a motivação parece ser a mesma. O personagem erra por todos os cantos dos Estados Unidos, único lar para esse tipo de convicção, entre garrafas de bebida, prisões, mulheres, e principalmente ironia.
Entretanto, dessa vez isso não me incomodou, não me impeliu a fechar imediatamente o livro, ou a terminá-lo apenas para poder criticá-lo. Na verdade, dessa vez, isso me encantou.
Pois senti que atrás da negatividade do autor e do personagem havia algo que não era "esvaziado pela perspectiva pós moderna". No brilho dos olhos, no canto dos lábios, havia um som de sim, um gosto de alegria ou afeto. Quando eu terminei o livro, eu levantei os olhos fitando o nada, e sorri, ouvindo o som de um novo presente que se constitui através da mudança, rápida e perene, daquele que é transformado pela leitura.