segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Cleo e Daniel

O andrógino era o um. Unidade, tao, completude. O um transformou-se em dois. Cindido ao meio, condenando as duas metades a vagar pelo mundo procurando o que delas se perdeu. No homem que segue sua vida à sombra dos mitos, com os pés firmes na terra, o nome desse vazio é tristeza, solidão, angustia. Uns tapam o buraco namorando sem parar. Outros usam bolinha, ficam viciados em bingo. Outros encontram de fato no outro o uno, para depois perder. Intermitente, o homem persiste.
No livro, de Roberto Freire, todos os personagens se encontram e se separam. Morrem, ficam loucos, e nunca casam. Cléo e Daniel, jovens, belos, puros, encontram-se num beijo. Encontram a paz e depois o desespero de a terem conhecido. Rudolf Flugel, o personagem principal, ilumina sua escuridão atráves do exercício de uma psicanálise extremamente cínica. Gabrielle, a a cafetina francesa, consegue sobreviver pois ainda procura o grande amor perdido. Seus clientes, por outro lado, persistem pois já não procuram nada - são os elefantes, que elegantemente marcham para seu cemitério, pois querem poupar os outros do incômodo da morte.
O único personagem que encontra algum tipo de serenidade (para depois a perder) é Benjamim, que agarrou com os braços fortes os próprios buracos, os dando nome e idade, sem entretanto se perder no inútil duelo entre sujeito e objeto de Rudolf. Benjamim sabia que era vazio, e que sempre seria. Descobriu dentro da terra um veio incessante de água, que se transforma a cada instante, tapa seus buracos, lava, e parte.