sábado, 20 de fevereiro de 2010

Tonio Kröger

A boca enche-se de saliva,
o peito de ar.
O corpo pronuncia a palavra - artista
através do tapete vermelho da língua.

Tonio Kröeger como a maioria de nós teve uma infância miserável.
Ele não era loiro,
tampouco atlético.
O modelo acadêmico de sua época era retrógrado e não o compreendia.
Por isso, justificadamente, ele decidiu deixar o tão desconfortável exterior para seus conterrâneos, passando a habitar os cantos tortuosos, porém seguros, da sua subjetividade.

Tonio
cresceu,
e virou artista.

Ao longo do livro,
com a pretensão de quem recebe os louros do contexto,
ele discorre sobre as vicissitudes da arte,
e do seu gênio.

São tocantes as passagens em que nos é revelada e natureza doce,
atenta e pespicaz,
do personagem.
Por outro lado,
os monólogos extenuantes sobre o artista e a sua arte
arrancam a empatia do leitor a dentadas.

O livro é uma caminhada com tal acompanhante,
cabe a cada um aproveitar mais o diálogo,
ou a paisagem.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

o(s) Belo(s)

Dizem que beleza não põe a mesa. Mas quem disse que os belos precisam por a mesa? Eles arranjam quem o faça. E isso sem precisarem fazer nada. São bonitos, e sabem disso. E mais que saberem que são bonitos, sabem o quanto o ser humano é vulnerável à beleza. Podemos até nos casar com pessoas que ponham a mesa, mas são os belos que nos inebriam e nos levam à loucura. Fazemos qualquer coisa pelas criaturas descendentes do Monte Olimpo. Fazíamos há dois mil e poucos anos, há cento e poucos, fazemos hoje e vamos continuar fazendo.

Gitone, levou Ascilto e Encolpio ao degladio por ele. Quando se deu conta de sua beleza, Dorian Grey ateou fogo em Londres. Obcecado por Tadzio, Aschembach morre admirando-o, sabe-se lá se pela cólera ou se pelo amor.

Sim. Falamos aqui de três homens. Três homens que levaram pessoas à loucura, simplesmente por serem belos. Não tratemos das batidas e famosas femmes fatales dos livros de espiões, que enganam a todos pelos meios para atingirem um fim. São simples. Ardilosas e maquiavélicas, mas ainda assim planas. Falemos desses três, que nada precisam fazer para que matem ou morram por eles.

No raso da questão, são três personagens que não valem a areia da praia em que pisam, mas são aqueles que povoam nossos sonhos após o fim de cada página. Sonhar com femmes fatales ou com heróis que salvam o mundo pode até ser bom, mas são aqueles que não fazem o mínimo esforço que nos hipnotizam. E justamente por essa indiferença, por esse olhar de desprezo é que caímos por eles.

Talvez esteja sendo superficial demais e inconscientemente tentando fazer uma ode aos mais belos e traiçoeiros rapazes da literatura. Talvez até pareça uma menina pré-adolescente encantada com uma estrelinha do rock juvenil, mas não consigo mais que isso. Além do mais, se mesmo Petrônio, Wilde e Mann não conseguiram desbancar esses três, quem sou eu para fazê-lo?


por Murillo Teixeira

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Fup

Quando você estiver preparado,
Fup virá até você.

Esse é um livro realmente difícil de encontrar,
imagino que, deixando de lado as brincadeiras,
é mesmo o acaso o único possível responsável pela posse de um desses raros exemplares.
O único volume que já vi pertencia a uma editora desaparecida,
e foi comprado há muito tempo num sebo de Fortaleza.

Entretanto,
isso pouco importa,
os meios, os nomes, os fetiches.
Pois esse é, antes de tudo,
um livro honesto.
Cheio de inteligência, humor, simplicidade e
embora seja suspeito assim atestar,
Verdade.

Os personagens são uma extensão dessas características: o velho Jake (e seu whiskey caseiro - o velho sussurro da morte), seu neto Miúdo (de dois metros de altura e um coração proporcional) e a pata de estimação, Fup.

A aparência absurda tanto dos personagens, quanto da própria trama, parece tentar ocultar, ao longo da leitura, o quanto o livro é comovente e comum (pois também nos diz respeito).
Ao final das páginas, com sorte, percebemos que o intento é vão.

Vale a pena ler, e pouca coisa a mais pode-se dizer de relevante.


Obsevação:
Tudo o que eu disse sobre o acaso e sobre a editoração de Fup não é mais verdade, a José Olympio reeditou-o em 2007. Entretanto, é mais divertido pensar o contrário.